Jayme Treiger
Para que a poluição venha a ser vencida, uma mudança no nível de consciência é necessária. Embora seja ainda muito difícil, essa mudança se impõe. Um modelo é oferecido: trabalhar um tanto para o interior - o que sempre repercute no ambiente - e um tanto no exterior.
Emanações venenosas não somente infectam o homem mas também são precipitadas sobre os objetos vizinhos. Com isso, tais sedimentos só com grande dificuldade são erradicados. Eles podem até acompanhar os objetos por longas distâncias e, com o tempo, as pessoas distinguirão a aura de tais objetos infectados. Por enquanto, os indivíduos sensitivos podem sentir em si mesmos a ação de tais estratificações. Também os equipamentos que registram o "efeito Kirlian" já começam a permitir tais registros objetivamente. Outros virão, a curto prazo.
Os bons pensamentos serão o melhor purificador dos arredores. Para MORYA, "a afirmação das mensagens do Bem será ainda mais forte do que os incensos purificadores, pelo que, mesmo em meio à vida diária, é possível criar aquilo que é do bem: cada envio deste tipo é como um raio purificador".
Também está ensinado que a habilidade e a rapidez do pensamento podem ser desenvolvidas pelo exercício constante" e que "não devemos alimentar dúvidas quanto ao que fazer nos momentos entre os labores, pois cada partícula de tempo pode ser usada para comunhão superior".
Enquanto houver predominância de focalização da consciência no plano da natureza emocional, haverá uma tendência à satisfação dos desejos e isso aumentará cada vez mais as contradições sociais de nosso tempo. A elevação do nível de consciência é, pois, uma tarefa interna; também devemos, internamente, desenvolver a introspecção e a discriminação a fim de identificarmos as distorções que possam estar presentes em nossos motivos; enquanto que, externamente, devemos trabalhar em favor das correções que puderem ser diagnosticadas.
Externamente, um dos caminhos que vêm sendo apontados é, por exemplo, o do deslocamento das populações, de modo a inverter a atual tendência de se acentuarem as aglomerações urbanas, no que a urbanização das favelas é medida de largo alcance social mas não traz a solução ao problema. Mais importante seria a construção de cidades de pequeno e médio porte, integradas nas zonas rurais, de modo a servirem de tampão para os centros urbanos maiores. Hoje em dia, com a facilidade de transportes e com o desenvolvimento de grandes redes de empórios comerciais isto não é absurdo e já pode ser visto em vários países - onde, contudo, e certamente, o sistema agrário não é mais o feudal.
A experiência chinesa deveria servir de tema de meditação para os nossos governantes: lá, cerca de 700 milhões de habitantes vivem nas comunidades rurais e somente 250 milhões nos grandes centros urbanos. Para tanto, foi idealizado todo um sistema de tecnologias simplificadas, de modo que as soluções dos pequenos problemas da vida diária podem ser achadas na própria pequena comunidade, o que dispensa o cidadão de ter de se deslocar para os grandes centros para resolver assuntos rotineiros. Isto se aplica tanto à medicina como à engenharia, à veterinária, à enfermagem ou outros campos profissionais.
É verdade que lá, além do problema da fome, havia outras motivações gerando a preocupação de tornar cada comuna tão auto-suficiente quanto possível. No caso brasileiro, o êxito de tal programa envolveria, na pior das hipóteses, a redução da violência urbana, pois ensejaria condições de vida mais digna para muitos milhões hoje reduzidos à condição de párias e cujo conceito de valor foi reduzido ao mínimo e para quem a vida própria ou alheia, já deixou de ter muito sentido.
A Inglaterra realiza uma experiência muito interessante, além de corajosa: a cidade de Glasgow reunia cerca de 1,6 milhões de pessoas, em condições sanitárias e psicossociais progressivamente degeneradas. O governo daquele país resolveu construir quatro cidades, uma em cada ponto cardeal, planejadas para até 200.000 habitantes, cada, com o propósito de reduzir à metade a população original de Glasgow, prevendo-se a demolição das partes piores e a reconquista de espaços abertos, saneados. Medida semelhante foi tomada em Capetown, com relação a um bairro que se tornou um pólo de concentração de graves problemas sociais.
Algo do gênero deveria ser pensado entre nós, sem a preocupação com a demagogia eleitoreira ou para atender a espásticos impulsos emocionais em momentos de tragédias que a maioria pode prever, bastando examinar como são desrespeitadas as posturas constantes dos códigos de obras.
Aliás, no Brasil uma tentativa foi feita: a das agrovilas da Transamazônica. A idéia foi boa, o lugar é que não, porque a área foi escolhida sem ser antecedida de uma observação sobre a demanda espontânea. O eixo Belém-Brasília ou a estrada de Porto Velho a Cuiabá talvez pudessem ter sido utilizadas com resultado melhor.
No lado oposto - isto é, partindo não da administração política e sim do idealismo, se acham as pequenas comunidades que estão sendo organizadas por jovens ecologistas. Na maior parte das vezes não estão indo bem, quer pela inexperiência, quer até pela hostilidade de seus vizinhos - e sempre por falha de infra-estrutura. Repetem os erros que já haviam sido assinalados por um precursor, o Dr. Albert Wolff, um médico alemão que viveu entre nós e de cuja intimidade privei.
Este médico, viajando pelo Brasil em torno de 1930, vislumbrou as imensas possibilidades que o país oferecia. Voltou, pois, ao seu país de origem e tentou convencer as autoridades do mesmo, a propor ao governo brasileiro um plano de ocupação racional do planalto goiano. Naquele tempo, ainda ninguém, salvo pela extraordinária visão de D. Bosco, antevia a existência de Brasília.
As propostas de Wolft não encontraram eco: já então, os dirigentes de sua pátria estavam com as atenções dirigidas para o trigo da Ucrânia. Impedido de prosseguir em seus esforços devido à guerra, tão logo terminou o conflito voltou a difundir suas idéias, mas enquanto observava que em uns nem os sofrimentos decorrentes da estada em campos de concentração haviam sido suficientes para promover transformações profundas de consciência, em outros - a grande maioria - predominava, em escala crescente, a obsessão fatalista de uma futura terceira guerra mundial que, no entender deles, tornaria inútil qualquer planejamento prospectivo; em conseqüência, voltavam-se para a procura incessante, e por vezes desenfreada, dos prazeres (hoje aliás muito mais acentuada). Isto levou-o a abandonar a Europa por volta de 1950, voltando ao Brasil, onde veio a falecer pouco depois, sempre preocupado com o estabelecimento de uma "Escola da Vida", núcleo para um novo tipo de estruturação social, capaz de antecipar respostas às perguntas que fatalmente surgiriam em meio às contradições, cada vez maiores, verdadeiramente caóticas, em que o após guerra nos vinha lançando, já naquela época.
Preconizava, antes de mais nada, uma mudança interior, uma busca de novos horizontes espirituais; além disso propôs ensaios para uma reestruturação social, através do estímulo para a formação de comunidades rurais, onde atividades artesanais pudessem ser desenvolvidas simultaneamente com as atividades agrícolas, de modo a tornar as comunidades, tanto quanto possível, auto-suficientes, tais como os "kibutzim" de criação israelense. Amigo de refugiados hindus colaboradores de Gandhi, certamente aproveitava a experiência que os mesmos viveram, nos "ashrams" por ele organizados.
Seu trabalho, que não chegou a ser publicado, fazia neste sentido uma exortação à juventude brasileira e não deixa de ser uma antecipação do que começa a ocorrer entre nós. A experiência já revelava a necessidade de se armar uma adequada infra-estrutura para garantir a sobrevivência de participantes daquelas comunidades, pois todas as experiências então tentadas, fracassavam pela imprevisão e pelo mau planejamento.
Seria bom se nossos governantes pudessem olhar para o assunto com simpatia. Também nossos empresários. Mas em lugar de uma comunidade se instalar para depois tentar sobreviver, o caminho oposto é que deveria ser tentado: por exemplo, a integração entre uma agrovila e uma indústria, de modo a garantir a absorção de uma determinada linha de produção da agrovila, pela indústria ou pelo comércio próximo.
D. Khul antecipou que, depois do grande fluxo de urbanização, ocorreria o refluxo. Se isto puder ser feito de maneira ordenada e programada, será muito melhor.
Lembro aqui TOYNBEE: em artigo publicado em "The Observer", de Londres, há alguns anos, sob o título "Depois da Era da Prosperidade", também previu que nas regiões desenvolvidas o crescimento ia cessar. "Mais ainda", escreveu, "o crescimento econômico contínuo será substituído pela crise econômica contínua" e isso porque os nativos não mais aceitam ser servos de ninguém e, de outro lado, porque os recursos naturais vêm sendo impiedosamente devastados. A questão do petróleo, sob seus vários ângulos, ilustra muito bem o problema: ela detonou um processo que já estava em curso, fez um tumor vir a furo.
A tese fundamental do Estudo de história de Toynbee é que o declínio das grandes civilizações não é mau em si, pois dá lugar ao nascimento das grandes religiões.
A solução que propõe - e aqui acompanha MORYA - é que o mundo desenvolvido reveja seus pressupostos éticos e econômicos.
Não havendo como dissociar a crise social da crise individual, devemos ir em busca de novos valores que substituam os que foram perdidos ou que se tornaram vazios e obsoletos e concentrar nossas energias nos caminhos futuros, aqueles que emerjam do conflito atual.
No contato do cotidiano ouço, sistematicamente, queixas relativas ao egoísmo, à separatividade e ao isolamento existentes na sociedade atual. Entretanto, no desenvolvimento das entrevistas, observo o quanto os pacientes estão ávidos de se comunicarem com o próximo; o quanto desejam viver uma vida melhor, com maior colorido humano; o quanto abominam a violência, a poluição, a correria inútil em busca das coisas que não valem. A maior queixa é a de como estamos manietados e escravizados a um sistema de vida que a todos ameaça destruir.
É imenso o número daqueles que se indagam sobre que foi feito deste mundo em que vivemos. Assim como esse momento tem chegado para muitos, individualmente, é possível admitir que para a humanidade como um todo, também chegue a hora em que, nas assembléias mundiais, os representantes das nações também começem a repetir a indagação de Gandhi: "que fizemos nós?".
THOMAS, em 1909, já interpretava a crise como "uma ameaça, um desafio, uma intensificação sobre a atenção, um chamado para uma nova ação". TYHURST, em 1958, considerava as reações de sofrimento como "estados de transição", "circunstâncias representando mudanças significativas, muitas vezes súbitas e intensas, nas situações de vida dos indivíduos".
Sob esse ângulo, a crise é uma parte normal do desenvolvimento humano. Por exemplo, nem sempre podemos atender com a urgência que se faria necessária, um paciente em estado de ansiedade aguda: muitas vezes a demora resulta benéfica, pois dá tempo ao doente para reagir e vencer a crise por si mesmo.
ORTEGA Y GASSET considerou a crise como uma transição muito brusca que não deve ser considerada como uma decadência e sim, um salto, uma mutação: a plasticidade então observada favorece o tratamento porque o paciente está em busca de resposta e já rompeu com os velhos hábitos, o que reduz a resistência às mudanças. É claro que, nesse momento, cresce a responsabilidade do terapeuta, cujo erro de atuação pode prolongar a crise.
Há, pois, um choque entre a velha natureza e a nova que se oferece; as modificações rompem as velhas relações, tornam obsoletos os antigos padrões e deixam o indivíduo momentaneamente no caos, inseguro quanto ao novo rumo a tomar. A Crise, pois, não é uma decadência, muito pelo contrário, ela representa um momento muito favorável para as grandes mudanças e, quem sabe, talvez quanto maior a crise, mais favorável a circunstância para a mudança, por representar um período de ruptura com o antigo. Nós sabemos que o homem se apóia nos seus velhos hábitos, nas suas velhas tendências, porque estas lhe oferecem uma base de sustentação, um ponto de apoio para as suas concepções e para o desenvolvimento das suas atividades do dia. Um homem assim assentado não se propõe a reformas, ele apenas se modifica quanto instado pelas circunstâncias e desde que de uma maneira muito convincente.
É interessante, para quem quiser ver uma descrição bastante objetiva deste processo, a leitura de BHAGAVAD GITA, um dos livros épicos da Índia, comparável, no Oriente, pela influência e pelo sentido, ao próprio Evangelho no Ocidente. Ali se pode verificar a descrição de como Arjuna lamentava a derrota iminente dos velhos generais que o serviam, em detrimento dos novos que chegavam para combatê-los. "Os velhos", dizia ele, "são meus amigos" - mas eles correspondiam a hábitos já ultrapassados.
Havia coisas velhas que precisavam ser mudadas e quem devia fazer a mudança eram exatamente os novos exércitos que, na linguagem típica da literatura hindu, simbolicamente se aprestavam para entrar em combate e derrotar os generais da velha natureza.
A dúvida de Arjuna em deixar morrer seus velhos generais os velhos hábitos - prestes a serem derrotados pelos novos generais - as novas qualidades nascentes - ajuda-nos a compreender o momento histórico de nossa mudança.
Muitos já começaram a perceber que "nem tudo que reluz é ouro" e que a necessidade de consumir foi uma deturpação de um propósito mais elevado, o de produzir para o bem-estar de toda a humanidade. Parece que já ninguém se lembra de que, ao ocorrer a Revolução Industrial do século passado, a palavra de ordem era a de que, a partir de então, a humanidade conheceria a felicidade, com os bens de consumo postos ao alcance de todos.
É tempo, pois, de o homem deixar de testemunhar sua própria loucura. Embora já se vislumbrem os primeiros estertores do fim desta era, ainda são estimulados o desperdício e o espírito predatório, levando ao abandono do que mal foi começado, independentemente do custo do sacrifício ecológico. Na fase caótica que atravessamos, o espírito parece ter adormecido, a ponto das manifestações e petrificações da terra alcançarem limites extremos: o aparecimento dos desertos, cumpre ressaltar, sempre caracterizou o começo da selvageria. São necessárias, pois, medidas extremas para que o espírito torne a despertar. É o que diz Morya.
As próprias conquistas tecnológicas, à custa das quais chegamos aos impasses, terão de ser utilizadas construtivamente: elas, e o progresso no conhecimento das coisas, trouxeram à humanidade um novo encargo: tudo indica que Deus deixou a terra entregue aos homens e que a nós próprios caberá decidir se iremos fazer dela uma nova lua, reduzida a desertos estéreis, ou a transformaremos num imenso jardim, onde venha a florescer uma nova civilização de ouro.
Não falemos da humanidade como uma abstração e com aquele desdém que leve a parecer que dela estejamos excluídos: todos fazemos parte dela; a humanidade, somos todos nós. Quem, de nós, não descende dos homens do século XV? E a quem, se não a nós mesmos, se referirão os historiadores do vigésimo quinto século, ao fazerem a crônica do tempo atual? Assim como comemoramos a glória da arte grega e nos apoiamos no Direito Romano; assim como a Magna Carta do século XIII abriu o caminho para a Declaração dos Direitos Humanos do século XX, é de se esperar que, superada a fase caótica atual, decorrente da crescente crise social e econômica, cheguemos a um novo tempo em que, despertando do torpor gerado pela fascinação a que esteve submetida, a humanidade, tal como a bela adormecida da história, se livre do encantamento da fada má, e busque novos caminhos. Estes novos caminhos deverão ter como marcos o abandono da quantidade pela qualidade e a transformação da sociedade de consumo em uma sociedade de serviço, baseada, não mais na satisfação dos desejos mas sim, na compreensão da necessidade da coparticipação.
Ao que tudo indica, tais novos caminhos terão que ser escolhidos sem o apelo a líderes carismáticos: as circunstâncias que muitos dos mais recentes líderes mundiais têm enfrentado, demonstram a fragilidade deste tipo de liderança. Em seu lugar, deverão surgir grupos de indivíduos dedicados ao serviço, disseminados pelo mundo inteiro, caracterizados pela impessoalidade de suas ações, pelo anonimato, pela capacidade do auto-sacrifício consciente e pela compreensão das responsabilidades recíprocas de todos os seres humanos.
Poderá isso parecer uma visão romântica: Na verdade não tenho pendores, nem para visionário romântico, nem para anunciador de tragédias. Entretanto, todos sabemos que "o planeta está doente e que a condição da terra exige um médico extraordinário".
Conheço muitos cujo procedimento já guarda as características necessárias ao momento atual; se não são melhor conhecidos, é precisamente pela característica da impessoalidade de suas ações. Eles não se detêm diante de uma oposição inicial às suas idéias: sabem que toda inovação se choca com a tendência conservadora de nossa própria natureza inferior e que as grandes mudanças nos rumos da humanidade tiveram origem, freqüentemente, num só indivíduo ou num pequeno grupo, cujos ideais foram, na maioria das vezes, rejeitados pelos homens da época; por isso prosseguem, impulsionados por suas almas esclarecidas, respondendo mais aos estímulos internos do que às solicitações externas, alimentando, com a energia do próprio pensamento, os ideais ou princípios que lhes parecem justos e acertados. Prosseguem, pacientemente, nesse trabalho invisível, enquanto aguardam que a maioria da humanidade se esclareça e se transforme.
Sem dúvida, para esse modo de proceder é preciso ter muita coragem. Mas, "é precisamente nos dias de doença grave do planeta que é necessário estar cheio de coragem. O momento é muito grave e, portanto, é necessário intensificar toda a coragem".
Cumpre a nós mesmos, pois, com a experiência já acumulada através das lições vividas, assimilar o que a história de nossas passadas civilizações registrou e decidir como deverão ser escritos os próximos capítulos. Para que haja uma participação intensiva de muitos, na construção dessa nova Sociedade, devemos ensinar como utilizar, corretamente, a faculdade de pensar e elaborar os instrumentos que possibilitem trilhar um caminho mais promissor, mais construtivo, mais inclusivo - um caminho reto, para usar a expressão do Buda.
O tempo atual não deve, pois, ser encarado com pessimismo nem desânimo mas sim, como um desafio ao engenho humano: tudo que tem sido destruído ou dissolvido pertence às velhas estruturas e representa antigos valores - é preciso ter presente que "nada é destruído sem um propósito". Neste particular, é óbvio que a natureza tem sido sacrificada, mas ainda pode ser salva.
O quadro atual não é obstáculo definitivo à instalação de novos padrões. O que não convém é permanecermos na inércia da crítica e das lamentações, sem procurarmos definir a linha de ação própria para o novo tempo e sem preencher os claros que vão ocorrendo pela dissolução dos velhos padrões. Pelo contrário, a época de crise favorece as mudanças. Nela, como disse, as pessoas se mostram mais maleáveis, mais flexíveis, mais receptivas.
Como nossa sociedade evolui dentro de um processo altamente dinâmico, pode ser que mesmo os impasses como os com que hoje nos defrontamos abram caminho para as soluções dos problemas aparentemente insolúveis, ainda que à custa dos choques entre tendências. Por exemplo, quem, em 1939, diria que a Alemanha e a França viriam a ser os dois grandes artífices do Mercado Comum Europeu e do Parlamento Europeu? Ou que tão pouco tempo após a guerra do Yom Kippur os judeus dançariam nas ruas de Jerusalém para festejar a visita de Sadat? O provérbio diz bem que: "Deus escreve certo por linhas tortas".
Mesmo não sendo possível mudar subitamente os costumes, podemos aproveitar todas as oportunidades para postularmos a necessidade do estabelecimento de novos valores, representativos de uma nova ética, mundial.
Por esta nova ética, soluções mais razoáveis deverão ser buscadas para os problemas da humanidade. Como esses problemas se expandiram para uma escala mundial, os postulados dessa nova ética terão de ser igualmente mais abrangentes e deverão apoiar-se numa cultura mundial e não provinciana, pois os tolos preconceitos, as conceituações personalistas, as soluções egoístas, não poderão conservar-se indefinidamente; a maneira de viver terá de se simplificar de modo a se buscar o realmente essencial, e, acima de tudo, o homem terá de integrar-se à natureza, voltando a respeitar suas leis e seus ritmos, harmonizando-se com a moldura do seu ambiente em vez de tentar destruí-lo desordenadamente.
Deliberadamente interpolei aspectos éticos e sociais. A sabedoria popular nos ensina que o ferreiro "dá uma no cravo, outra na ferradura". Meu empenho, ao escrever estas páginas, é exortar cada um à combatividade e a vencer a inércia decorrente da sensação de incapacidade diante do que parece ser insolúvel.
Procuremos agir, mas não somente entre os labores, trabalhemos dentro e fora de nós mesmos, durante a vida inteira, para restaurar os aspectos da vida que estão sob nosso direto controle ou influência. Ofereçamos aos nossos semelhantes um novo modelo de comportamento, o do nosso próprio, redirecionado. Mas não consideremos como semelhantes somente os nossos vizinhos; semelhantes são todos aqueles que compõem a humanidade. Enviemos nossos pensamentos, até lá onde não pudermos atuar diretamente; e, como sinto que podemos fazer algo mais, sejamos como instrumentos deste princípio chamado "Vida", de modo que ele possa jorrar sobre nós próprios e derramando-se para todos os lados, vitalizando nosso ambiente, purificando nossa atmosfera e limpando e curando nosso planeta.
Lembremo-nos de que "Aquele que convoca para uma melhor qualidade, já está no caminho" e que, como propõe MORYA, "o monstruoso é o belo distorcido". Assim corrigindo-se os motivos, a beleza ressurgirá no monstruoso.
Não é necessário mudar o sistema político para encontrar a racional idade das ações administrativas.
A difícil tarefa com que nos defrontamos é, precisamente, a de retomar os controles perdidos.
O ritmo, diz DJWHAL KHUL, "pode ser expresso como aquele movimento cadenciado que, automaticamente, leva aqueles que o empregam ao alinhamento com certas forças da Natureza. E aquela ação dirigida, seguida em uníssono por um grupo de pessoas, que resulta em certos alinhamentos e efeitos sobre um dos corpos ou sobre todos".
Os marcos referenciais que deverão ser buscados para a retomada dos controles perdidos terão de ser, agora, os internos, já que os externos foram perdidos.
Os navegantes dos espaços externos aprenderam, desde há muitos séculos, a se orientarem pelos astros; o navegante dos espaços internos tem de aprender a se orientar ouvindo o som da voz interna - o som da própria alma. (do livro "Restauração da Qualidade da Vida" - 1982)
Para que a poluição venha a ser vencida, uma mudança no nível de consciência é necessária. Embora seja ainda muito difícil, essa mudança se impõe. Um modelo é oferecido: trabalhar um tanto para o interior - o que sempre repercute no ambiente - e um tanto no exterior.
Emanações venenosas não somente infectam o homem mas também são precipitadas sobre os objetos vizinhos. Com isso, tais sedimentos só com grande dificuldade são erradicados. Eles podem até acompanhar os objetos por longas distâncias e, com o tempo, as pessoas distinguirão a aura de tais objetos infectados. Por enquanto, os indivíduos sensitivos podem sentir em si mesmos a ação de tais estratificações. Também os equipamentos que registram o "efeito Kirlian" já começam a permitir tais registros objetivamente. Outros virão, a curto prazo.
Os bons pensamentos serão o melhor purificador dos arredores. Para MORYA, "a afirmação das mensagens do Bem será ainda mais forte do que os incensos purificadores, pelo que, mesmo em meio à vida diária, é possível criar aquilo que é do bem: cada envio deste tipo é como um raio purificador".
Também está ensinado que a habilidade e a rapidez do pensamento podem ser desenvolvidas pelo exercício constante" e que "não devemos alimentar dúvidas quanto ao que fazer nos momentos entre os labores, pois cada partícula de tempo pode ser usada para comunhão superior".
Enquanto houver predominância de focalização da consciência no plano da natureza emocional, haverá uma tendência à satisfação dos desejos e isso aumentará cada vez mais as contradições sociais de nosso tempo. A elevação do nível de consciência é, pois, uma tarefa interna; também devemos, internamente, desenvolver a introspecção e a discriminação a fim de identificarmos as distorções que possam estar presentes em nossos motivos; enquanto que, externamente, devemos trabalhar em favor das correções que puderem ser diagnosticadas.
Externamente, um dos caminhos que vêm sendo apontados é, por exemplo, o do deslocamento das populações, de modo a inverter a atual tendência de se acentuarem as aglomerações urbanas, no que a urbanização das favelas é medida de largo alcance social mas não traz a solução ao problema. Mais importante seria a construção de cidades de pequeno e médio porte, integradas nas zonas rurais, de modo a servirem de tampão para os centros urbanos maiores. Hoje em dia, com a facilidade de transportes e com o desenvolvimento de grandes redes de empórios comerciais isto não é absurdo e já pode ser visto em vários países - onde, contudo, e certamente, o sistema agrário não é mais o feudal.
A experiência chinesa deveria servir de tema de meditação para os nossos governantes: lá, cerca de 700 milhões de habitantes vivem nas comunidades rurais e somente 250 milhões nos grandes centros urbanos. Para tanto, foi idealizado todo um sistema de tecnologias simplificadas, de modo que as soluções dos pequenos problemas da vida diária podem ser achadas na própria pequena comunidade, o que dispensa o cidadão de ter de se deslocar para os grandes centros para resolver assuntos rotineiros. Isto se aplica tanto à medicina como à engenharia, à veterinária, à enfermagem ou outros campos profissionais.
É verdade que lá, além do problema da fome, havia outras motivações gerando a preocupação de tornar cada comuna tão auto-suficiente quanto possível. No caso brasileiro, o êxito de tal programa envolveria, na pior das hipóteses, a redução da violência urbana, pois ensejaria condições de vida mais digna para muitos milhões hoje reduzidos à condição de párias e cujo conceito de valor foi reduzido ao mínimo e para quem a vida própria ou alheia, já deixou de ter muito sentido.
A Inglaterra realiza uma experiência muito interessante, além de corajosa: a cidade de Glasgow reunia cerca de 1,6 milhões de pessoas, em condições sanitárias e psicossociais progressivamente degeneradas. O governo daquele país resolveu construir quatro cidades, uma em cada ponto cardeal, planejadas para até 200.000 habitantes, cada, com o propósito de reduzir à metade a população original de Glasgow, prevendo-se a demolição das partes piores e a reconquista de espaços abertos, saneados. Medida semelhante foi tomada em Capetown, com relação a um bairro que se tornou um pólo de concentração de graves problemas sociais.
Algo do gênero deveria ser pensado entre nós, sem a preocupação com a demagogia eleitoreira ou para atender a espásticos impulsos emocionais em momentos de tragédias que a maioria pode prever, bastando examinar como são desrespeitadas as posturas constantes dos códigos de obras.
Aliás, no Brasil uma tentativa foi feita: a das agrovilas da Transamazônica. A idéia foi boa, o lugar é que não, porque a área foi escolhida sem ser antecedida de uma observação sobre a demanda espontânea. O eixo Belém-Brasília ou a estrada de Porto Velho a Cuiabá talvez pudessem ter sido utilizadas com resultado melhor.
No lado oposto - isto é, partindo não da administração política e sim do idealismo, se acham as pequenas comunidades que estão sendo organizadas por jovens ecologistas. Na maior parte das vezes não estão indo bem, quer pela inexperiência, quer até pela hostilidade de seus vizinhos - e sempre por falha de infra-estrutura. Repetem os erros que já haviam sido assinalados por um precursor, o Dr. Albert Wolff, um médico alemão que viveu entre nós e de cuja intimidade privei.
Este médico, viajando pelo Brasil em torno de 1930, vislumbrou as imensas possibilidades que o país oferecia. Voltou, pois, ao seu país de origem e tentou convencer as autoridades do mesmo, a propor ao governo brasileiro um plano de ocupação racional do planalto goiano. Naquele tempo, ainda ninguém, salvo pela extraordinária visão de D. Bosco, antevia a existência de Brasília.
As propostas de Wolft não encontraram eco: já então, os dirigentes de sua pátria estavam com as atenções dirigidas para o trigo da Ucrânia. Impedido de prosseguir em seus esforços devido à guerra, tão logo terminou o conflito voltou a difundir suas idéias, mas enquanto observava que em uns nem os sofrimentos decorrentes da estada em campos de concentração haviam sido suficientes para promover transformações profundas de consciência, em outros - a grande maioria - predominava, em escala crescente, a obsessão fatalista de uma futura terceira guerra mundial que, no entender deles, tornaria inútil qualquer planejamento prospectivo; em conseqüência, voltavam-se para a procura incessante, e por vezes desenfreada, dos prazeres (hoje aliás muito mais acentuada). Isto levou-o a abandonar a Europa por volta de 1950, voltando ao Brasil, onde veio a falecer pouco depois, sempre preocupado com o estabelecimento de uma "Escola da Vida", núcleo para um novo tipo de estruturação social, capaz de antecipar respostas às perguntas que fatalmente surgiriam em meio às contradições, cada vez maiores, verdadeiramente caóticas, em que o após guerra nos vinha lançando, já naquela época.
Preconizava, antes de mais nada, uma mudança interior, uma busca de novos horizontes espirituais; além disso propôs ensaios para uma reestruturação social, através do estímulo para a formação de comunidades rurais, onde atividades artesanais pudessem ser desenvolvidas simultaneamente com as atividades agrícolas, de modo a tornar as comunidades, tanto quanto possível, auto-suficientes, tais como os "kibutzim" de criação israelense. Amigo de refugiados hindus colaboradores de Gandhi, certamente aproveitava a experiência que os mesmos viveram, nos "ashrams" por ele organizados.
Seu trabalho, que não chegou a ser publicado, fazia neste sentido uma exortação à juventude brasileira e não deixa de ser uma antecipação do que começa a ocorrer entre nós. A experiência já revelava a necessidade de se armar uma adequada infra-estrutura para garantir a sobrevivência de participantes daquelas comunidades, pois todas as experiências então tentadas, fracassavam pela imprevisão e pelo mau planejamento.
Seria bom se nossos governantes pudessem olhar para o assunto com simpatia. Também nossos empresários. Mas em lugar de uma comunidade se instalar para depois tentar sobreviver, o caminho oposto é que deveria ser tentado: por exemplo, a integração entre uma agrovila e uma indústria, de modo a garantir a absorção de uma determinada linha de produção da agrovila, pela indústria ou pelo comércio próximo.
D. Khul antecipou que, depois do grande fluxo de urbanização, ocorreria o refluxo. Se isto puder ser feito de maneira ordenada e programada, será muito melhor.
Lembro aqui TOYNBEE: em artigo publicado em "The Observer", de Londres, há alguns anos, sob o título "Depois da Era da Prosperidade", também previu que nas regiões desenvolvidas o crescimento ia cessar. "Mais ainda", escreveu, "o crescimento econômico contínuo será substituído pela crise econômica contínua" e isso porque os nativos não mais aceitam ser servos de ninguém e, de outro lado, porque os recursos naturais vêm sendo impiedosamente devastados. A questão do petróleo, sob seus vários ângulos, ilustra muito bem o problema: ela detonou um processo que já estava em curso, fez um tumor vir a furo.
A tese fundamental do Estudo de história de Toynbee é que o declínio das grandes civilizações não é mau em si, pois dá lugar ao nascimento das grandes religiões.
A solução que propõe - e aqui acompanha MORYA - é que o mundo desenvolvido reveja seus pressupostos éticos e econômicos.
Não havendo como dissociar a crise social da crise individual, devemos ir em busca de novos valores que substituam os que foram perdidos ou que se tornaram vazios e obsoletos e concentrar nossas energias nos caminhos futuros, aqueles que emerjam do conflito atual.
No contato do cotidiano ouço, sistematicamente, queixas relativas ao egoísmo, à separatividade e ao isolamento existentes na sociedade atual. Entretanto, no desenvolvimento das entrevistas, observo o quanto os pacientes estão ávidos de se comunicarem com o próximo; o quanto desejam viver uma vida melhor, com maior colorido humano; o quanto abominam a violência, a poluição, a correria inútil em busca das coisas que não valem. A maior queixa é a de como estamos manietados e escravizados a um sistema de vida que a todos ameaça destruir.
É imenso o número daqueles que se indagam sobre que foi feito deste mundo em que vivemos. Assim como esse momento tem chegado para muitos, individualmente, é possível admitir que para a humanidade como um todo, também chegue a hora em que, nas assembléias mundiais, os representantes das nações também começem a repetir a indagação de Gandhi: "que fizemos nós?".
THOMAS, em 1909, já interpretava a crise como "uma ameaça, um desafio, uma intensificação sobre a atenção, um chamado para uma nova ação". TYHURST, em 1958, considerava as reações de sofrimento como "estados de transição", "circunstâncias representando mudanças significativas, muitas vezes súbitas e intensas, nas situações de vida dos indivíduos".
Sob esse ângulo, a crise é uma parte normal do desenvolvimento humano. Por exemplo, nem sempre podemos atender com a urgência que se faria necessária, um paciente em estado de ansiedade aguda: muitas vezes a demora resulta benéfica, pois dá tempo ao doente para reagir e vencer a crise por si mesmo.
ORTEGA Y GASSET considerou a crise como uma transição muito brusca que não deve ser considerada como uma decadência e sim, um salto, uma mutação: a plasticidade então observada favorece o tratamento porque o paciente está em busca de resposta e já rompeu com os velhos hábitos, o que reduz a resistência às mudanças. É claro que, nesse momento, cresce a responsabilidade do terapeuta, cujo erro de atuação pode prolongar a crise.
Há, pois, um choque entre a velha natureza e a nova que se oferece; as modificações rompem as velhas relações, tornam obsoletos os antigos padrões e deixam o indivíduo momentaneamente no caos, inseguro quanto ao novo rumo a tomar. A Crise, pois, não é uma decadência, muito pelo contrário, ela representa um momento muito favorável para as grandes mudanças e, quem sabe, talvez quanto maior a crise, mais favorável a circunstância para a mudança, por representar um período de ruptura com o antigo. Nós sabemos que o homem se apóia nos seus velhos hábitos, nas suas velhas tendências, porque estas lhe oferecem uma base de sustentação, um ponto de apoio para as suas concepções e para o desenvolvimento das suas atividades do dia. Um homem assim assentado não se propõe a reformas, ele apenas se modifica quanto instado pelas circunstâncias e desde que de uma maneira muito convincente.
É interessante, para quem quiser ver uma descrição bastante objetiva deste processo, a leitura de BHAGAVAD GITA, um dos livros épicos da Índia, comparável, no Oriente, pela influência e pelo sentido, ao próprio Evangelho no Ocidente. Ali se pode verificar a descrição de como Arjuna lamentava a derrota iminente dos velhos generais que o serviam, em detrimento dos novos que chegavam para combatê-los. "Os velhos", dizia ele, "são meus amigos" - mas eles correspondiam a hábitos já ultrapassados.
Havia coisas velhas que precisavam ser mudadas e quem devia fazer a mudança eram exatamente os novos exércitos que, na linguagem típica da literatura hindu, simbolicamente se aprestavam para entrar em combate e derrotar os generais da velha natureza.
A dúvida de Arjuna em deixar morrer seus velhos generais os velhos hábitos - prestes a serem derrotados pelos novos generais - as novas qualidades nascentes - ajuda-nos a compreender o momento histórico de nossa mudança.
Muitos já começaram a perceber que "nem tudo que reluz é ouro" e que a necessidade de consumir foi uma deturpação de um propósito mais elevado, o de produzir para o bem-estar de toda a humanidade. Parece que já ninguém se lembra de que, ao ocorrer a Revolução Industrial do século passado, a palavra de ordem era a de que, a partir de então, a humanidade conheceria a felicidade, com os bens de consumo postos ao alcance de todos.
É tempo, pois, de o homem deixar de testemunhar sua própria loucura. Embora já se vislumbrem os primeiros estertores do fim desta era, ainda são estimulados o desperdício e o espírito predatório, levando ao abandono do que mal foi começado, independentemente do custo do sacrifício ecológico. Na fase caótica que atravessamos, o espírito parece ter adormecido, a ponto das manifestações e petrificações da terra alcançarem limites extremos: o aparecimento dos desertos, cumpre ressaltar, sempre caracterizou o começo da selvageria. São necessárias, pois, medidas extremas para que o espírito torne a despertar. É o que diz Morya.
As próprias conquistas tecnológicas, à custa das quais chegamos aos impasses, terão de ser utilizadas construtivamente: elas, e o progresso no conhecimento das coisas, trouxeram à humanidade um novo encargo: tudo indica que Deus deixou a terra entregue aos homens e que a nós próprios caberá decidir se iremos fazer dela uma nova lua, reduzida a desertos estéreis, ou a transformaremos num imenso jardim, onde venha a florescer uma nova civilização de ouro.
Não falemos da humanidade como uma abstração e com aquele desdém que leve a parecer que dela estejamos excluídos: todos fazemos parte dela; a humanidade, somos todos nós. Quem, de nós, não descende dos homens do século XV? E a quem, se não a nós mesmos, se referirão os historiadores do vigésimo quinto século, ao fazerem a crônica do tempo atual? Assim como comemoramos a glória da arte grega e nos apoiamos no Direito Romano; assim como a Magna Carta do século XIII abriu o caminho para a Declaração dos Direitos Humanos do século XX, é de se esperar que, superada a fase caótica atual, decorrente da crescente crise social e econômica, cheguemos a um novo tempo em que, despertando do torpor gerado pela fascinação a que esteve submetida, a humanidade, tal como a bela adormecida da história, se livre do encantamento da fada má, e busque novos caminhos. Estes novos caminhos deverão ter como marcos o abandono da quantidade pela qualidade e a transformação da sociedade de consumo em uma sociedade de serviço, baseada, não mais na satisfação dos desejos mas sim, na compreensão da necessidade da coparticipação.
Ao que tudo indica, tais novos caminhos terão que ser escolhidos sem o apelo a líderes carismáticos: as circunstâncias que muitos dos mais recentes líderes mundiais têm enfrentado, demonstram a fragilidade deste tipo de liderança. Em seu lugar, deverão surgir grupos de indivíduos dedicados ao serviço, disseminados pelo mundo inteiro, caracterizados pela impessoalidade de suas ações, pelo anonimato, pela capacidade do auto-sacrifício consciente e pela compreensão das responsabilidades recíprocas de todos os seres humanos.
Poderá isso parecer uma visão romântica: Na verdade não tenho pendores, nem para visionário romântico, nem para anunciador de tragédias. Entretanto, todos sabemos que "o planeta está doente e que a condição da terra exige um médico extraordinário".
Conheço muitos cujo procedimento já guarda as características necessárias ao momento atual; se não são melhor conhecidos, é precisamente pela característica da impessoalidade de suas ações. Eles não se detêm diante de uma oposição inicial às suas idéias: sabem que toda inovação se choca com a tendência conservadora de nossa própria natureza inferior e que as grandes mudanças nos rumos da humanidade tiveram origem, freqüentemente, num só indivíduo ou num pequeno grupo, cujos ideais foram, na maioria das vezes, rejeitados pelos homens da época; por isso prosseguem, impulsionados por suas almas esclarecidas, respondendo mais aos estímulos internos do que às solicitações externas, alimentando, com a energia do próprio pensamento, os ideais ou princípios que lhes parecem justos e acertados. Prosseguem, pacientemente, nesse trabalho invisível, enquanto aguardam que a maioria da humanidade se esclareça e se transforme.
Sem dúvida, para esse modo de proceder é preciso ter muita coragem. Mas, "é precisamente nos dias de doença grave do planeta que é necessário estar cheio de coragem. O momento é muito grave e, portanto, é necessário intensificar toda a coragem".
Cumpre a nós mesmos, pois, com a experiência já acumulada através das lições vividas, assimilar o que a história de nossas passadas civilizações registrou e decidir como deverão ser escritos os próximos capítulos. Para que haja uma participação intensiva de muitos, na construção dessa nova Sociedade, devemos ensinar como utilizar, corretamente, a faculdade de pensar e elaborar os instrumentos que possibilitem trilhar um caminho mais promissor, mais construtivo, mais inclusivo - um caminho reto, para usar a expressão do Buda.
O tempo atual não deve, pois, ser encarado com pessimismo nem desânimo mas sim, como um desafio ao engenho humano: tudo que tem sido destruído ou dissolvido pertence às velhas estruturas e representa antigos valores - é preciso ter presente que "nada é destruído sem um propósito". Neste particular, é óbvio que a natureza tem sido sacrificada, mas ainda pode ser salva.
O quadro atual não é obstáculo definitivo à instalação de novos padrões. O que não convém é permanecermos na inércia da crítica e das lamentações, sem procurarmos definir a linha de ação própria para o novo tempo e sem preencher os claros que vão ocorrendo pela dissolução dos velhos padrões. Pelo contrário, a época de crise favorece as mudanças. Nela, como disse, as pessoas se mostram mais maleáveis, mais flexíveis, mais receptivas.
Como nossa sociedade evolui dentro de um processo altamente dinâmico, pode ser que mesmo os impasses como os com que hoje nos defrontamos abram caminho para as soluções dos problemas aparentemente insolúveis, ainda que à custa dos choques entre tendências. Por exemplo, quem, em 1939, diria que a Alemanha e a França viriam a ser os dois grandes artífices do Mercado Comum Europeu e do Parlamento Europeu? Ou que tão pouco tempo após a guerra do Yom Kippur os judeus dançariam nas ruas de Jerusalém para festejar a visita de Sadat? O provérbio diz bem que: "Deus escreve certo por linhas tortas".
Mesmo não sendo possível mudar subitamente os costumes, podemos aproveitar todas as oportunidades para postularmos a necessidade do estabelecimento de novos valores, representativos de uma nova ética, mundial.
Por esta nova ética, soluções mais razoáveis deverão ser buscadas para os problemas da humanidade. Como esses problemas se expandiram para uma escala mundial, os postulados dessa nova ética terão de ser igualmente mais abrangentes e deverão apoiar-se numa cultura mundial e não provinciana, pois os tolos preconceitos, as conceituações personalistas, as soluções egoístas, não poderão conservar-se indefinidamente; a maneira de viver terá de se simplificar de modo a se buscar o realmente essencial, e, acima de tudo, o homem terá de integrar-se à natureza, voltando a respeitar suas leis e seus ritmos, harmonizando-se com a moldura do seu ambiente em vez de tentar destruí-lo desordenadamente.
Deliberadamente interpolei aspectos éticos e sociais. A sabedoria popular nos ensina que o ferreiro "dá uma no cravo, outra na ferradura". Meu empenho, ao escrever estas páginas, é exortar cada um à combatividade e a vencer a inércia decorrente da sensação de incapacidade diante do que parece ser insolúvel.
Procuremos agir, mas não somente entre os labores, trabalhemos dentro e fora de nós mesmos, durante a vida inteira, para restaurar os aspectos da vida que estão sob nosso direto controle ou influência. Ofereçamos aos nossos semelhantes um novo modelo de comportamento, o do nosso próprio, redirecionado. Mas não consideremos como semelhantes somente os nossos vizinhos; semelhantes são todos aqueles que compõem a humanidade. Enviemos nossos pensamentos, até lá onde não pudermos atuar diretamente; e, como sinto que podemos fazer algo mais, sejamos como instrumentos deste princípio chamado "Vida", de modo que ele possa jorrar sobre nós próprios e derramando-se para todos os lados, vitalizando nosso ambiente, purificando nossa atmosfera e limpando e curando nosso planeta.
Lembremo-nos de que "Aquele que convoca para uma melhor qualidade, já está no caminho" e que, como propõe MORYA, "o monstruoso é o belo distorcido". Assim corrigindo-se os motivos, a beleza ressurgirá no monstruoso.
Não é necessário mudar o sistema político para encontrar a racional idade das ações administrativas.
A difícil tarefa com que nos defrontamos é, precisamente, a de retomar os controles perdidos.
O ritmo, diz DJWHAL KHUL, "pode ser expresso como aquele movimento cadenciado que, automaticamente, leva aqueles que o empregam ao alinhamento com certas forças da Natureza. E aquela ação dirigida, seguida em uníssono por um grupo de pessoas, que resulta em certos alinhamentos e efeitos sobre um dos corpos ou sobre todos".
Os marcos referenciais que deverão ser buscados para a retomada dos controles perdidos terão de ser, agora, os internos, já que os externos foram perdidos.
Os navegantes dos espaços externos aprenderam, desde há muitos séculos, a se orientarem pelos astros; o navegante dos espaços internos tem de aprender a se orientar ouvindo o som da voz interna - o som da própria alma. (do livro "Restauração da Qualidade da Vida" - 1982)